segunda-feira, 22 de outubro de 2012

pássaros artificias e o ritmo do cotidiano

Em seus últimos trabalhos, o sociólogo francês Henri Lefebvre (1901-1991) busca compreender a vida nas cidades a partir de um aspecto bastante peculiar: o ritmo [1]. A seus olhos e ouvidos, há na vida cotidiana uma infinidade de relações entre ritmos cíclicos e lineares, repetitivos e diferentes, mecânicos e orgânicos, etc. Um dos capítulos narra o desenrolar rítmico do cotidiano testemunhado da janela de seu apartamento, desvelando poesia e drama nas tensões e desencontros entre trabalhadores, estudantes, turistas, automóveis e semáforos - que se mantêm fiéis à mecânica de seus ritmos madrugada adentro, regulando em vão um tráfego que já não circula mais.

Foram reflexões em torno destas ideias que me motivaram a tomar uma gravação de 24 horas de sons que chegam até minha janela como material de base para a minha peça acusmática retorno em linha reta (2012), composta para o álbum NMEaniversário#1. Interessava-me exatamente a tensão entre a experiência ao mesmo tempo cíclica e linear que temos do tempo. Por mais que um dia tenha sempre 24 horas e um ano, 365 dias (ás vezes, 366), sua experiência relativa parece alterar-se constantemente em relação às unidades vividas. O segundo ano de vida dobra a existência em relação ao primeiro, já o terceiro amplia-a apenas em uma vez e meia, e assim por diante. Era mais ou menos assim que na adolescência eu tentava explicar a sensação de que o tempo de hoje sempre passa mais rápido que o de uma época anterior. Nesta peça, exploro as transformações sensíveis produzidas por alterações na velocidade de vivência tempo. Nos 365 segundos que dura a peça, invento um ano às avessas, no qual o dia passa até 365 vezes mais rápido. 





Qualidades insuspeitas se revelaram no processo. Uma das mais intrigantes foi a nítida imagem sonora de uma floresta apinhada de pássaros que obtive ao acelerar cerca de 120 vezes o material original. Por seu realismo falso, acabei utilizando este material como seção inicial de um outro trabalho, cujo ponto de partida era exatamente o som de pássaros: das trevas, sabiá (2012). Embora possa ser ouvida como tal, não se trata de uma composição acusmática propriamente dita, mas antes o registro ao vivo de uma improvisação [2] que realizei no concerto NMEpássaro, no 29 de julho de 2012 no Parque da Água Branca em São Paulo.



[1] LEFÈBVRE, Henri. Rhytmanalysis: Space, Time and Everyday Life. Continuum: London/New York, 2004.
[2] Utilizando samples pré-gravados, programação em SuperCollider e um controlador MIDI. 

 

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